quarta-feira, 24 de março de 2010

Eram os franceses corsários?

Recebi hoje um email do advogado José cláudio Pavão Santana que relata um assalto que sofreu em São Luís e um sequestro relâmpago que seu filho sofreu.Publico o texto na íntrega a seguir:


"Eram os franceses corsários?

José Cláudio Pavão Santana*

O Maranhão tem papel exponencial na história do Brasil. Diria mesmo que na história do mundo, dada as circunstâncias que envolvem a exploração francesa na costa das terras que passaram a ser chamadas de Brasil. É que bem antes de 1500 há registros da atividade mercantil e de exploração que alguns atribuem a corsários.

Corsários eram aventureiros, para alguns piratas. De qualquer modo eram homens que se aventuravam pelo norte desta terra, até mesmo por que a França insistia em ignorar o Tratado das Tordesilhas. Vasco Mariz[1] destaca que:

“Só em 1533 um bispo francês, Jean lê Vemeur de Tilliers, obtém de Clemente VII, um Médicis, declaração dizendo que aquelas bulas só se referiam aos continentes já conhecidos e não às terras ainda por descobrir por outras coroas. Ficou famoso o protesto do rei Francisco I em 1537, durante a visita dos embaixadores de Carlos V, pedindo-lhes para ver as cláusulas do testamento de Adão que o excluíam da partilha do mundo.”

Sobre o assunto o professor Mário Martins Meirelles[2] é fonte obrigatória.

A história consigna que:

“Os ingleses contestaram a validade de Tordesilhas e praticam a pirataria oficial como corsários”[3].

O estado é outro. Reconquistado pelos portugueses, infelizmente não conseguiu ir além dos casarões que consignam sua origem lusitana. E até isto está em risco, a considerar como se encontra a Praia Grande, conjunto arquitetônico dos maiores da América Latina. Uma pena, pois a “coroa” cresceu, virou república, é sinônimo de desenvolvimento, enquanto a vila faz questão de se manter colônia. Colônia na prática política, com os mesmos fidalgos de sempre, servidos pelos asseclas submissos, dispostos a ajoelharem-se pelas migalhas que sobram da mesa farta.

Os piores índices sociais do Brasil, falta de perspectiva social, educação precária, falta de saúde, insegurança visível, pode-se afirmar sem titubear que a capital é um problema a cada esquina. O Estado um continente que possui vários Haitis.

Esse caos, é bom que se diga, é resultado da mais longeva dominação política brasileira. Acho que só Fidel Castro concorra com esse quadro. E isto é péssimo, na medida em que o poder deixa de ser prática e passa a ser vício.

O Maranhão contemporâneo fracassou. Aos 53 anos de idade constato isso.

Vi nascer uma esperança de geração que me prometeu um futuro diferente. Era menino quando soube disso. Cresci e hoje deparo-me com a indiferença, a falta de perspectiva de famílias inteiras.

Considero-me exceção. Sou privilegiado, pois tive um pai que me deu a oportunidade de estudar em colégio particular. Estudei no exterior. Consegui sair daqui para o mestrado e depois para o doutorado. Quantos colegas tiveram essas oportunidades? Quantos maranhenses puderam fazer isso? Poucos, claro.

E o pior disso é que muitas vezes fazer sucesso é sinônimo de intolerância, pois é prática local o maniqueísmo peculiar às ditaduras. Ou se está de um lado ou se está do outro. Por isso, com uma certa dose de irreverência, costumo dizer que não tenho lado, pois quem tem lado é melancia: o lado de dentro e o lado de fora. Mas tenho, sim, convicção, posição e desejo de melhorar a sociedade que vejo se esvair a cada dia.

É natural que algumas pessoas perguntem o que faço para retribuir o investimento que a universidade fez em mim, considerando que estudei em universidade pública. Pois bem, tenho feito minha parte.

Há mais de duas décadas leciono na UFMA. Lá iniciei a trabalhar como agente administrativo há 34 anos. É lá onde ensino Direito Constitucional, Eleitoral e TGD. É lá onde procuro ensinar o valor da Constituição e dos direitos civis em geral. É como defensor da liberdade de manifestação que estimulo jovens a terem o senso crítico capaz de questionar as ações políticas em geral. É pouco? Mais do que muita gente tem feito tanto tempo no poder!

É inevitável um registro. Nesta terra, sem perspectivas e envolta com incontáveis problemas, banalizou-se a violência, sendo já motivo de exclamação dizer que nunca foi assaltado. Pois eu passei a integrar o conjunto de maranhenses sem assistência. Fui assaltado, humilhado com uma arma de fogo. Meu filho foi seqüestrado, refém de bandidos com pouco mais de vinte anos. Somos cidadãos. Somos órfãos de políticas públicas, notadamente de segurança pública, fato visível a cada sinal que se para na cidade, nos guetos que se formam.

O Maranhão, a cada governo, tem duas caras. Uma, que é a realidade fria e crua. Outra, maquiada pela força da mídia que moldura um faz-de-conta que impõe ao homem rude e de poucas letras a impressão de que chegamos a um estado de paz social e desenvolvimento desejáveis, corroborado pelo assistencialismo incrustado na mente obtusa, retrógrada e esperta dos “políticos” (entre aspas mesmo) do Maranhão.

Dito isto eu me pergunto: Eram os franceses corsários? Ou corsários são piratas? O tempo dirá!"


* Doutor em Direito do Estado pela PUCSP. Mestre em Direito pela FDR_UFPE. Professor Adjunto de Direito Constitucional da UFMA. Professor dos cursos de Pós-Graduação da UFMA. Membro efetivo do IBEC. Membro efetivo da AMLJ.

[1] MARIZ, Vasco. La Ravardière e a França Equinocial. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007, p. 17.

[2] História do Maranhão. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 39. O autor trata como parte do anedotário, dizendo de forma textual: "Conta o anedotário da história que Francisco I, de França, em face das bulas dividindo o mundo a descobrir entre Espanha e Portugal, teria dito gostar de conhecer a cláusula testamentária de Adão que excluída, em benefício dessas duas coroas, os demais príncipes cristãos.”. MARIZ, Vasco, ob. cit., p. 17 – por nós citado no item “O fato histórico” – dá ao acontecimento veracidade histórica.

[3] KARNAL, Leandro et ali. História dos Estados Unidos: das origens ao século xxi. São Paulo: Contexto, 2007, p. 39.

Um comentário:

  1. Eu também compartilho desses temores e mesmo tendo morado 9 anos no Rio, eu me vejo mais em apuros aqui, na ilha do amor, que na cidade maravilhosa.
    Fora a preocupação com assaltos, temos ainda de conviver com flanelinhas, que possuem a crença de serem os donos da rua.
    Eu não vejo as coisas dando certo aqui. Sinceramente, eu penso em me mandar o mais cedo possivel, por não ver uma saída a curto/médio prazo. Creio que nem os meus netos hão de ver o Maranhão decente.
    Triste, mas o desabafo e os questionamentos acima, também inundam a minha cabeça constantemente.

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