terça-feira, 13 de outubro de 2009

Futebol de um rei e vários príncipes em 1970

A primeira copa do mundo de futebol que os brasileiros assistiram ao vivo pela televisão foi a do México em 1970. A transmissão foi em preto e branco, mas foi um acontecimento especial que uniu familiares separados, vizinhos brigados e estremeceu muitos namoros e casamentos.

Para mim foi emocionante assistir à copa. Eu tinha quinze anos e assisti ao lado do meu saudoso pai, Manoel Olyntho, na nossa casa na Rua Machado de Assis, n.° 538, bairro do Campo Belo, perto do Aeroporto de Congonhas em São Paulo,

Meu pai tinha comprado um aparelho de TV novo, da marca Philco. O caminhão da loja de departamentos Mappin (que ficava no centro da cidade, em frente ao Teatro Municipal e a menos de vinte metros do Viaduto do Chá), entregou a TV em casa duas horas antes do jogo começar.

A transmissão do jogo foi feito através de uma espécie de consórcio entre a TV Record, canal 7 de São Paulo, a TV Bandeirantes, canal 13 de São Paulo, a TV Tupi, canal 4 de São Paulo e a TV Globo, do Rio de Janeiro, que em São Paulo era o canal 5.

No primeiro jogo do Brasil na Copa, a narração e os comentários foram divididos. No 1.° tempo, a partida foi narrada por Fernando Solera, da TV Bandeirantes e comentada por Leônidas da Silva (o famoso criador da bicicleta no futebol, ex-atacante do Flamengo e do São Paulo, artilheiro do Brasil na copa da França em 1938), da TV Record.

O jogo começou morno e antes dos dez minutos o meia direita Petras, da Tchecoslováquia, abriu o placar, numa bobeada do volante Clodoaldo. O curioso é que depois de fazer o gol, Petras se ajoelhou no campo e fez o sinal da cruz.

Assistindo o replay do jogo, a impressão que tenho hoje, quase quarenta anos depois, é que o locutor Fernando Solera era um profeta.

Antes do Brasil empatar o jogo ainda no primeiro tempo com um gol de falta batida pela canhota atômica de Roberto Rivelino, o “reizinho” do parque São Jorge, Solera falou duas vezes: “precisamos arrumar uma falta na entrada da área tcheca, para o Rivelino bater!”.

Dito e feito. Pelé sofreu uma falta a cinco metros da entrada da área adversária. Solera foi logo falando: "Onde está o Rivelino? Onde está o Rivelino?". Jairzinho estava na barreira para atrapalhar o goleiro, que pensou que quem ia bater a falta era Pelé.

Mas quem chutou foi Rivelino de canhota e a bola passou que nem um foguete exatamente no buraco que Jairzinho deixou quando se afastou rapidamente da barreira. O goleiro Victor nem viu a cor da bola...

Antes do final da 1.ª etapa aconteceu um dos lances geniais de Pelé naquela copa. Numa bola rebatida pelo quarto zagueiro Wilson Piazza, a bola sobrou para o rei do futebol na intermediária da defesa brasileira.

Rapidamente Pelé percebeu que o goleiro tcheco estava adiantado e surpreendeu todos os outros 21 jogadores em campo, o juiz, dois bandeirinhas e dezenas milhares de torcedores que estavam no estádio, em Guadalajara.

Ele deu um chute longo para tentar encobrir o goleiro Victor. Caprichosamente a bola passou a um metro da trave esquerda do gol tcheco. Na repetição do lance, em câmara lenta, a gente se diverte observando o goleiro Victor desesperado, olhando para cima e correndo de volta ao gol.

Até Fernando Solera se espantou com a genialidade de Pelé e narrou; “quase, quase, quase que Pelé derruba este estádio...”

No segundo tempo Solera foi substituído por Geraldo José de Almeida, locutor da TV Globo e João Saldanha, também da TV Globo, comentou no lugar de Leônidas da Silva.

O segundo tempo foi um verdadeiro passeio do Brasil com o nosso “Canhotinha de Ouro”, o meia esquerda Gerson, dando um passe milimétrico de mais de 40 metros para Pelé matar a bola no peito dentro da área tcheca e fuzilar o goleiro Victor com uma bola cruzada da direita para a esquerda.

Depois o endiabrado Jairzinho fez mais dois gols, sendo um dando um senhor chapéu no goleiro e o outro driblando três defensores tchecos.

Começava ali para nós, brasileiros, o campeonato mundial de 70. O único que assisti com meu pai, falecido em dezembro de 1973. Não me lembro da copa de 58 na Suécia, pois só tinha três anos na época. Da copa de 1962 no Chile, eu lembro vagamente da festa com fogos de artifício na Rua Augusta, esquina com Alameda Tietê, nos jardins.

Da copa de 66 na Inglaterra eu lembro bem do nervosismo do meu pai escutando no rádio a seleção portuguesa de Eusébio, Costa Pereira, Coluna e Torres trucidando o Brasil e o zagueiro lusitano Vicente caçando o Pelé até tirá-lo do jogo com suspeita de um osso quebrado.

Veja agora um vídeo de seis minutos produzido pela TV Cultura, canal 2 de São Paulo, com os melhores momentos da estréia do Brasil na copa do mundo de 70, no México.


2 comentários:

  1. Caro Marcos,

    Apenas uma correção: a Copa de 1970 foi transmitida em cores ( para poucos receptores é verdade, mas em cores).

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  2. Lembrando que o Petras após marcar se ajoelhou e fez o sinal da cruz, coisa que não era permitida, na época, na Tchecoslováquia.
    Era proibido expor e fazer menções religiosas em publico e por isso o Petras foi advertido pela delegação Tcheca. Se fosse em territorio Tcheco, ele estaria em apuros!

    Abçs!

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