sábado, 17 de abril de 2010

Saudades de Sampa

Depois que eu comecei a fazer sessões de hemodiálise três vezes por semana em julho de 2008, passei a dormir de maneira irregular.

Às vezes fico a madrugada toda acordada e o sono só aparece pelas cinco ou seis da manhã. Em outras noites durmo cedo e só vou acordar as sete ou oito da manhã seguinte.

É raro o dia que durmo à tarde. Hoje foi um desses dias. Acordei no final da tarde. E sonhei a tarde toda com a cidade de São Paulo, minha terra natal.

Parecia um filme. Sonhei com o Externato Meira onde estudei o curso primário. Ele ficava na Rua Padre João Manoel, uma rua paralela à Rua Augusta, nos Jardins.

Sonhei com as tardes de domingo, quando acompanhava meu pai ao Jóquei Clube de São Paulo Ele e um irmão de minha mãe tinham um stud chamado Satélite e tiveram três cavalos de corrida. Lunik, Explorer e Redstone. Todos tinham nomes de foguetes e os dois primeiros perderam todas as corridas que disputaram. Já Redstone era um cavalo alazão e rápido em distâncias de até 1.300 metros. Ele ganhou seis corridas e depois foi vendido.

Depois aos onze anos fui estudar no colégio São Luís, na Avenida Paulista. Era o colégio Marista de São Paulo. Aos doze mudei para o bairro do Campo Belo, próximo ao Aeroporto de Congonhas. Fui estudar no ginásio no Colégio Friburgo, no mesmo bairro onde morava.

Nesta época comecei a descobrir o mundo. Ia todos os finais de semana ao Parque Ibirapuera jogar futebol e cabulava muita aula para ir ao Morumbi assistir aos treinos do São Paulo.

Já adolescente fui trabalhar de office-boy na imobiliária de meu irmão Roberto. Conheci o centro de São Paulo, os bairros de Pinheiros, Lapa, Mooca e o Largo 13 de Maio, no coração de Santo Amaro.

No final do colegial sofri um baque: meu pai faleceu e no ano seguinte entrei no curso de Economia na PUC de São Paulo, no bairro das Perdizes.

Na universidade me identifiquei logo com a luta democrática contra a ditadura militar. Era a transição do general Médici para o general Geisel.

Daí para o movimento estudantil e a militância no PC do B foi um pulo. Lembro como se fosse hoje das assembléias no salão Beta, na PUC, que ficava no subsolo do teatro TUCA.

Depois das reuniões noturnas nos diretórios acadêmicos (1975 e 1976) e do DCE Livre (em 1977) íamos para a noite paulistana para jantar.

Como o dinheiro era pouco, um grupo grande rachava um arroz com feijão gordo no restaurante Um, Dois, Feijão com Arroz, na Avenida São João, embaixo do viaduto do Minhocão. Às vezes comíamos um filé no bar das Putas, perto da Avenida da Consolação ou até mesmo um bauru no Ponto Chic. Lembro que a maior extravagância que fizemos foi rachar um filé, no Filé do Morais, perto da Rua Barão de Limeira.

No início de 1976 e depois nas férias de janeiro e fevereiro de 1977 pela manhã eu e um colega da PUC, o hoje historiador Marcon Antonio Villa , da Universidade Federal de São Carlos/SP, coneguimos um trabalho provisório de entregador de avisos de IPTU, da Prefeitura de São Paulo, contratados pela Prodan, companhia de processamento de dados do município.

Pra dois estudantes lisos e duros, qualquer dinheiro honesto era muito bem vindo.

Em 1976 foi um verdadeiro suplício, pois entregamos avisos na periferia de Santo Amaro. Nunca tínhamos corrido tanto de cachorro como naquele distante 1976. Já em 1977 foi uma festa, pois entregamos o IPTU nos prédios próximos a famosa "boca de luxo" de São Paulo, nas imediações do início da Avenida da Consolação e Praça Rooselvet.

Nos primeiros dias entregávamos os avisos de IPTU para os zeladores e porteiros dos prédios. Depois que descobrimos que a maioria das moradoras destes prédios ficavam quase o dia todo em casa porque trabalhavam toda a madrugada nas boates do centro de Sampa, passamos a subir até o último andar da cada edifício e batíamos de porta em porta, andar por andar, para entregar o IPTU em mãos.

Imaginem a farra que fazíamos!

Quando estava no final do 1.° ano da faculdade, consegui um estágio de seis meses no Badesp, Banco de Desenvolvimento de São Paulo, que funcionava em um prédio na Avenida Paulista. Entrava ás 13h00 e saia às 18h00. Depois pegava o ônibus Perdizes na Paulista e ia para PUC, pois as aulas começavam às 19h00 em ponto.

O estágio acabou numa sexta-feira e na segunda eu fui para o BADESP. Quando lembrei que o estágio tinha terminado já estava dentro do ônibus, subindo a Avenida Brigadeiro Luis Antônio. Não parei no ponto do banco e continuei até a Praça Roosevelt. Lá entrei no Cine Bijou e assisti dois filmes de arte: um de Antonioni e outro de Luis Bunuel.

Deste dia de 1975 até dezembro de 1979, quando saí de São Paulo, eu não deixava de ir pelo menos uma vez por semana ao Cine Bijou, que, infelizmente já não existe mais.

Eu gosto muito do Maranhão e de São Luís, onde provavelmente viverei até o último dia de minha vida.

Mas eu acordei hoje à tarde, depois de um sono de duas horas e meia com muitas saudades de Sampa. Foi um verdadeiro turbilhão de recordações da cidade em que cresci e virei homem

Para reviver um pouco da história da minha cidade e o meu estranho saudosismo, o blog exibe a seguir o baiano Caetano Veloso cantando “Sampa”. O vídeo foi gravado em 10 de outubro de 2008, no quadro Arquivo, do programa Radiola, da TV Cultura de São Paulo.


3 comentários:

  1. Caro amigo,
    Bons tempos. Lendo sua crônica fui lembrando da época da PUC. Você esqueceu do futebol, importantíssimo para nós e desprezado, naquela época, por grande parte da esquerda (era coisa de "alienado").
    As dificuldades não impediram o amor pela cultura, pelos livros e filmes, pelos longos debates nas reuniões no Leão XIII ou no DCE. E a partilha dos jantares, sempre bem tarde, lá pela meia-noite, era bem emblemático do que éramos e do que imaginávamos para o Brasil. Tínhamos de pedir um pãozinho antes da comida. Com azeite e sal servia para encher o estômago, sempre vazio. Afinal, dividir um prato para dois ou três não era fácil.Mas nada tirava o bom humor. Tudo tinha graça, uma boa história, uma piada, ou as longas caminhadas da PUC até o "Dois dois", ou, ainda, de lá para a avenida Paulista.
    Grande abraço.
    Villa.

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  2. Caro jornalista Marcos Nogueira,

    Que palavras bonitas a respeito de sua cidade natal.

    Também a amo muito, moro a umas 3 horas dela e, sempre que posso ou devo, estou feliz em ir ao seu encontro.

    E gosto muito de voce.

    Desejo-lhe muita saúde, paz e disposição.

    Um amigo anônimo.

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  3. É, as vezes acordamos com saudade até do que não conhecemos ou vivemos, imagine da cidade natal. Recordar é viver!!
    Mesmo que o passado não tenha sido fácil, é sempre importante passar por certos "sufocos" para definirmos nossa maturidade.
    Lendo, me senti dentro de um filme (do seu filme).
    Você adotou São Luis, mas tenha certeza que São Luis e todos os Ludovicenses te adotaram também!

    Você é um otimo profissional e uma ótima pessoa também!

    Admiro você e seu trabalho.

    Muita saúde, paz, sucesso e que Deus o abençoe!

    De sua eterna amiga Lauriane!

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